03 janeiro, 2011

Retorno, que nada.

Talvez não devêssemos prometer coisas das quais não estamos muito certos. Em agosto eu disse que haveria um retorno, que na verdade não aconteceu.

Gostaria de ter tempo de me dedicar mais, de escrever mais, de celebrar mais porem a verdade é que o tempo não é uma variável discreta. Não. Ele é contínuo, em suas frações de segundos, que nos permite utilizá-lo conforme delimitamos as nossas prioridades. Então, ao faltar tempo para alguma coisa, há uma denúncia forte, de que essa coisa não era lá assim tão importante.

Mas hoje me deu aquela dor no peito. Aquela vontade de escrever. Aquela urgência de colocar em um papel o que se passa aqui por dentro. Mas, escrever no papel dói a mão e eu prefiro muito mais colocar aqui. Digitar hoje em dia me é mais confortável.

Uma pessoa recitou para mim Fernando Pessoa, eu já conhecia o texto mais ficou tudo mais claro ao ouvir de alguém:

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Ter que passar além da dor. Acho que essa poderia ser a frase para resumir 2010.

E Carlos Drummond de Andrade escreveu esse texto e colocou nele tudo que eu gostaria de dizer:

A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste

Fazer o quê? Em muitos casos as mudanças são tão rápidas que mal dá tempo de perceber.
E essa angústia de acostumar com a diferença entre que era e o que agora é transtorna a gente. Confunde, machuca e fragiliza.
Mas eu costumo pensar sempre na possibilidade de ser resiliente. De dobrar, curvar, mas não quebrar. De que é sempre possível recuperar o equilíbrio. A dor as vezes teima em voltar de quando em vez, mas é possível sempre ver aquela luz fraca brilhando lá no finalzinho. E quando menos esperamos, ela se fortifica, chega a ofuscar. E a alegria renasce. E a dor se minimiza e nós nos fortalecemos. Até que um novo ciclo se inicie.

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